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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Direito DESAFIOS DO PODER CONSTITUINTE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ALEXANDRE BERNARDINO COSTA Belo Horizonte 2005 O candidato foi considerado .................................... pela banca examinadora, com a média final igual a (.......) ............................................ _______________________________________________________________ Professor Doutor Menelick de Carvalho Netto Orientador _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Belo Horizonte, ...... de ........................... de 2005 DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO A temática do poder constituinte tem sido objeto de reflexão por parte de cientistas políticos, juristas e sociólogos desde a sua concepção, esboçada na prática constituinte norte-americana e elaborada por Sieyes1 no século XVIII no curso da Revolução Francesa. Teoria de cunho claramente iluminista, afirma a possibilidade de se criar uma ordem jurídico-política ex novo, rompendo totalmente com o passado, inaugurando o futuro pelo próprio ato presente da ruptura política. Embora diretamente tributário dessa pretensão racional iluminista excessiva, foi precisamente esse o cerne da teoria mantido intacto ao longo de mais de dois séculos de experiência constitucional. 2 Os teóricos do poder constituinte possuem tamanha dificuldade de lidar com a idéia desse poder que usualmente ela é apresentada por meio de metáforas como as forças da natureza, e é pouco trabalhada em termos conceituais.3 Assim Sanches Agesta, por exemplo, se refere ao conceito: O poder constituinte não pode ser localizado pelo legislador, nem formulado pelo filósofo, porque não cabe nos livros e rompe o quadro das Constituições. Surge como o raio que atravessa a nuvem, inflama a atmosfera, fere a vítima e desaparece. 4 Essa abordagem aproximativa e indicativa do fenômeno será descrita por Niklas Luhmann, de modo incisivo e nada mítico, como a invenção do mecanismo de acoplamento estrutural entre o sistema do direito e o da política: a Constituição que, a um só tempo, os diferencia e articula, ocultando, através da distinção entre direito constitucional e o restante do direito, o paradoxo de que na modernidade o Direito cria a si próprio, a violência institucionalizada cria o direito. É mediante a Constituição que a política, ao se deixar regular pelo direito, pode receber a legitimidade que o direito é capaz de lhe fornecer, e que, por outro lado, as normas gerais e abstratas do direito moderno podem ganhar a densificação social que somente o aparato político da organização estatal pode lhe emprestar. 5 Assim, a teoria sobre o momento mesmo da criação originária de uma ordem jurídico-política que inicialmente focalizava essa força instituinte como vinculada e adstrita à implementação do que denominava direitos naturais do homem, pela invenção mesma da Constituição, logo começa a se emancipar da compreensão jusracionalista, descartando a idéia de direito natural, e a reduzir a idéia de direito à do ordenamento positivo. A obra de Kelsen pode ser vista como o ápice dessa trilha que começa a ser percorrida no início do século XIX. No segundo pós-guerra, às tentativas frustradas de retomada da idéia de direito natural seguiu-se a compreensão mais plausível de que a nova concepção de legitimidade e a idéia do novo direito que dão força ao movimento de ruptura institucional antecedem a sua positivação, auto-limitando e auto-condicionando o exercício do próprio poder constituinte. A proposta constitucionalista que, como demonstram Fioravanti6 e outros, sempre fora vista como oposta à democrática, com o aprendizado decorrente de sua própria vivência histórica, não mais pode ser sequer pensada fora do contexto democrático e nem a democracia pode ser assim concebida se não se der nos limites constitucionais. A democracia sem constitucionalismo é a pior das ditaduras tal como provado pelos regimes totalitários do século XX, e o constitucionalismo sem democracia é o seu oposto, o governo arbitrário, totalitário. Essas idéias são co-originárias e reciprocamente complementares. Dessa forma foi que, conquanto preservado o cerne da teoria do poder constituinte originário - que se destina a explicar as rupturas institucionais que originam novas ordens jurídico-políticas -, ela sofreu ao longo da história do constitucionalismo profundas alterações de significação no que toca ao sentido atribuído ao “direito” a ser constituído e, portanto, no que se refere à matização de suas características distintivas específicas: a ilimitação, a incondicionalidade, a originariedade. Dessa longa trajetória, cabe destacar também um outro aspecto interessante, relativo a uma mudança recente ocorrida na teoria constitucional da Europa. Até os anos setenta do século passado, a doutrina européia era praticamente unânime em condenar o emprego da expressão poder constituinte de segundo grau ou poder constituinte derivado (de reforma), salientando a contradição interna presente na expressão ao qualificar de constituinte um poder constituído pela Constituição, portanto, limitado e condicionado por ela. Recomendava-se à época o uso da expressão poder de reforma. Hoje, a maior parte da elaboração teórica, precisamente por considerar a consolidação da democracia constitucional irreversível, tem defendido o emprego da expressão poder constituinte, sem qualquer outro qualificativo para designar o poder de reforma constitucional previsto na própria Constituição.7 Não mais são colocadas alternativas à democracia constitucional, o que equivaleria para autores como Dogliani ao esgotamento do tema do poder constituinte originário. 8 Vital Moreira nos coloca o problema de forma exemplar. Em seminário ocorrido no Brasil, ao tratar da Constituição portuguesa, expõe a necessidade de mudanças e sugere uma mudança no próprio conceito de poder constituinte diante dos desafios que se apresentam: O que está aqui em causa, e que a meu ver tem perpassado todos os nossos três dias de debate, é saber se hoje, perante as Constituições conjunturais que o último quartel do século trouxe – a primeira delas foi exatamente a Constituição da República Portuguesa – a idéia do poder constituinte como ato unigênito da Constituição pode enfrentar a prova da vida constitucional, e se a essa versão do poder constituinte unigênito e unimomentâneo, não temos de admitir algum espaço para o poder constituinte evolutivo e para um processo constituinte transgeracional. Eis a provocação que não queria deixar de vos oferecer.9 Embora o professor Vital Moreira consiga perceber com clareza o problema central que se apresenta, parece-nos que a problemática do poder constituinte nos dias atuais deve ser enfrentada de forma tal que possamos pensar, junto com ele o próprio conceito de direito e a práxis constitucional que atualiza o ato fundador. Tudo isso, como bem sabe o autor português, deve ser associado à democracia. E, como salienta Habermas “esse processo (...) não é imune a recaídas e interrupções”. 10 A teoria brasileira sobre o poder constituinte originário ainda contempla a possibilidade de uma poder constituinte autoritário. É preciso ressaltar que a urgência de se tratar do tema à luz de um marco teórico atual, por incorporar as mais recentes lições que a teoria foi capaz de extrair da própria vivência constitucional, não reside apenas na demonstração da ilegitimidade do emprego da terminologia constitucional contra o constitucionalismo que, não somente em regiões de democracias menos consolidadas é um risco sempre presente, mas pode interferir, e de fato interfere, na possibilidade mesma de consolidação da democracia na medida em que, a ausência de reflexão teórica e prática adequadas ao constitucionalismo possibilitam abusos e desrespeito a direitos dos cidadãos gerando a descrença na democracia e no constitucionalismo. O caso recente sobre direito adquirido, julgado no Supremo Tribunal Federal, suscitou observações sobre o poder constituinte por parte de seus membros, e é possível identificar uma visão segundo a qual o conceito poderia ser associado a uma abordagem autoritária do direito.11 As principais questões relativas à origem, exercício, limites, formas de manifestação, poder originário, poder derivado, emendas, reformas, continuam sendo pautadas por duas visões básicas que de certa forma se completam: a primeira que traz o conceito de poder constituinte para dentro do sistema normativo estatal, buscando operacionalizá-lo através de instituições do próprio Estado, estabelecendo limites e formas pré-determinados para o seu exercício; e a segunda, que entende o poder constituinte como uma manifestação de caráter político que não integra o próprio direito, sendo caracterizado como meta-jurídico, uma força social que cria o direito, mas a partir desse conceito recolhe-se para que a organização normativa da sociedade seja feita no âmbito estatal sem sua participação. Ainda hoje se busca estabelecer taxionomias para o poder constituinte que designariam sua natureza e sua forma de expressão. Contudo, tais classificações pouco ou nada contribuem para explicar o tema nos dias atuais: originário e derivado, limitado e Ilimitado, tipos de Assembléia Nacional Constituinte, poder de reforma e poder de revisão (além de outras). Também as noções de representação do povo, da nação, remetem ou aos paradigmas de Estado liberal ou de Estado social, posto que não servem para a contemporaneidade de uma sociedade hipercomplexa, plural e multicultural. A tensão existente entre o liberalismo e o republicanismo manifesta-se também em relação ao poder constituinte: por um lado parte-se da idéia de indivíduos livres que se associam e criam o Estado e a Constituição, mantendo sua individualidade e liberdade para compor uma estrutura normativa mínima, por outro, mais utilizado na literatura constitucional, parte-se da idéia de nação como uma identidade coletiva que forma um substrato para a possibilidade do exercício do poder. Ora no indivíduo, ora na nação, o poder constituinte é reduzido ao momento de fundação do direito, de forma manipulada, manifestando-se a partir daí controlado e limitado pelo direito. As profundas modificações sociais, bem como as alterações na concepção de ciência e de direito exigem um novo olhar sobre a teoria do poder constituinte. Se o direito torna-se cada vez mais central na organização da sociedade contemporânea e essa centralidade se assenta em grande parte na Constituição, o poder constituinte deve ser pensado como possibilidade constante de fortalecimento do constitucionalismo e da democracia. Diante disso, devemos tentar identificar a teoria jurídica que nos auxiliará nessa tarefa. É importante salientar que o poder constituinte será estudado aqui como categoria jurídica, dentro de uma abordagem transdisciplinar, tal como na proposta de Muller segundo a qual “(...) a expressão poder constituinte interessa-nos aqui como texto jurídico (não como texto ideológico); e isso quer dizer, como parte integrante normal dos documentos constitucionais nos quais ele aparece.”12 O presente trabalho tem por objeto central a reconstrução do conceito de poder constituinte levando em consideração a mudança paradigmática da compreensão do direito, que busca hoje com a idéia de Estado democrático de direito superar as visões do Estado liberal e de Estado social13, e, em consonância com essa reconstrução, explicar o poder constituinte como força social que produz o direito, e que, em todo momento, é retomado como o projeto fundador de gerações passadas e é organizado livremente em relação ao futuro, sem que para isso seja alienado do sistema jurídico e tampouco aprisionado por ele. O objetivo central do trabalho é demonstrar a necessidade da reconstrução do conceito de poder constituinte sob duas perspectivas básicas: a primeira relativa à teoria do discurso, e a segunda pertinente à concepção teórico-prática do direito achado na rua. Ambas as perspectivas, sob o paradigma do Estado democrático de direito, revelam-se não somente compatíveis, mas, sobretudo complementares para a explicação e operacionalização do conceito de poder constituinte como prática social, política e jurídica. No primeiro capítulo do trabalho será feita a problematização e contextualização do poder constituinte nos dias atuais. É necessário deixar claros os motivos pelos quais as teorias tradicionais não mais atendem às demandas de explicação e operacionalização do poder constituinte. Situar questões como pós-modernidade, globalização, interdisciplinaridade e complexidade são fundamentais para se discutir o tema na contemporaneidade. Também se faz necessária uma exposição sobre os supostos epistemológicos que subjazem à discussão em torno do conceito de poder constituinte. A metodologia desenvolvida na pesquisa, por evidente, obedece ao referencial teórico que norteia a análise, conseqüentemente, trata-se de uma reconstrução do poder constituinte no Estado democrático de direito. No segundo capítulo do trabalho realizaremos uma reconstrução histórica do conceito. Partindo da teorização feita por Sieyes e pela prática constitucional norte-americana, explicitaremos a tensão que atravessa a construção, teórico-prática, do conceito, de sua origem até a atualidade: constitucionalismo e democracia. A crítica ao constitucionalismo feita por Antonio Negri é fundamental para expormos nossa tese central de que o poder constituinte no Estado democrático de direito só pode ser entendido como tal se for também, ao mesmo tempo, democrático. No terceiro capítulo do trabalho serão expostos os conceitos e teorias que nos auxiliam a reconstruir o poder constituinte. Para isso nos serviremos, sobretudo, da discussão contemporânea formulada por Jürgen Habermas, Ronald Dworkin, Friedrich Müller e Menelick de Carvalho Netto. No quarto e último capítulo será feita uma síntese do caminho percorrido e desenvolvido o conceito de poder constituinte no Estado democrático de direito; para tanto, dialogaremos com teorias contemporâneas de construção social de direito, em especial o trabalho desenvolvido a partir da obra de Roberto Lyra Filho, na UnB, intitulado o direito achado na rua. Ao final serão sistematizadas as conclusões da análise realizada ao longo do trabalho. MENELICK CITAR Como vimos, na aventura histórica do poder constituinte, vamos encontrar o cerne da teoria inteiramente preservado até hoje. Contudo, o que vai sofrer significativa alteração no curso dessa história é o conceito de Direito. 14 E, assim, Habermas redefine o conceito de soberania em consonância com o pluralismo e os direitos de participação individuais de modo a inviabilizar a “restotal” já temida por Sieyes. (...) Essa soberania difusa como os direitos de última geração garantem o pluralismo social e político da ordem constitucional aberta de princípios e regras que se consubstancia no Estado Democrático de Direito.15 JAMES FAAR CITAR Parece que a única coisa verdadeiramente constante no que se refere aos nossos conceitos políticos é a permanente mutação, a permanente mudança. Compreender a mudança conceitual é em grande medida compreender a mudança política, e vice-versa. E tal compreensão deve necessariamente ser histórica. 16 A política tal como nós a conhecemos não apenas seria indescritível sem palavras, como também seria impossível. As nações emergentes não poderiam declarar independência, os líderes instruir os seus partidários, os cidadãos protestarem contra a guerra, ou as cortes condenarem os seus criminosos. Nem tão pouco nós poderíamos criticar, implorar, prometer, questionar, exortar, exigir, negociar, barganhar, nos comprometermos, aconselhar, sintetizar, expandir, nem tão pouco consentir. Imaginar a política sem essas ações seria imaginar uma política de todo irreconhecível. 17 Compreender então o que poderíamos denominar “a constituição política da linguagem” é crucial para que se compreenda a mudança conceitual politicamente. O que chama nossa atenção para os desígnios políticos dos indivíduos ou grupos, que mudam os seus conceitos no sentido de resolver problemas, de remover contradições na teoria e na prática. 18 Ou para tomarmos um exemplo anterior e mais dramático, ou autores da Declaração de Independência, declararam a independência certamente, mas através de seus documentos eles também alertaram a Grã-Bretanha da resistência armada e buscaram inspirar os colonos americanos a mudar suas próprias identidades e a forjar “um povo”.19 |
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